segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sobre estética, política, metafísica, ética e suas implicações filosóficas

Pego-me a contemplar as magníficas pirâmides egípcias, estampadas no portal aberto, na internet. Elas estão ali, plantadas no que hoje são desertos, há mais de 2500 anos! Certamente, quando uma delas era finalizada, a civilização que existia em seu redor não havia de ser corroída pelo tempo, soterrada pelas areias sopradas, ferozmente, pelos ventos que hoje há. Imagino o povo em suas roupas da época, passeando pelos pátios pontilhados de estátuas a representar as divindades de então; as colunas imensas, erigidas para sustentar os palácios dos deuses-reis. Mais adiante, antes de divisar o horizonte, numa confusão de artefatos e pedrarias, outros homens, em trapos, empurram troncos, sobre o que vão rochas previamente esculpidas, que um dia tornar-se-ão uma nova pirâmide, com o prejuízo de muitas vidas.

Observar, assim, a beleza arquitetônica milenar do Egito, provoca em mim uma profusão de sentimentos, que expõem minha fragilidade diante da exuberância das grandiosas produções humanas: seu contraste com o nada, na visão mais simples do deserto, a perfeição da sua forma e, principalmente, o significado que há por trás das pedras sobrepostas. Tudo se revela inevitavelmente belo! Quão belo deveria ser em sua forma original, a despeito da crueldade e do despotismo que o financiou. Deveria, eu, renunciar o prazer da contemplação em favor de um pudor "retroativo"?

Ponho-me a sonhar que houvesse alguém, naquele tempo distante, que se dispusesse a fazer um memorial de cada empreendimento gigantesco encomendado pelos dirigentes do Egito: nele, estariam marcados os dias, os homens, o material, as técnicas, os sucessos e os eventuais fracassos, todos registrados, em tempo real, dia após dia. Não haveria de surpreender a constatação do trabalho forçado, do uso de escravos e da morte amiúde entre eles, no esforço das tarefas movidas a chicotadas e pouca comiseração. Talvez houvesse -- quem sabe? -- aqueles que trabalhassem, também, pela causa dos seus deuses e o fizessem com prazer! Afinal, uma pirâmide representava a casa eterna da entidade que os guiava, que dava significado para as suas vidas e que, em tempos longínquos, haveria de retornar da tumba para novamente semear as terras com as prosperidades oriundas dos seus dons!

Transporto essa visão, de súbito, para os dias atuais: imaginemos um país a quem o poder um dia foi delegado a um tirano, que ainda governa por força de uma Constituição engessada, em cujos fundamentos se legitima a razão do Estado em desfavor dos anseios populares. Os dias mais profícuos dessa sociedade particular fora marcada pela guerra, não exatamente aquela em que as armas funcionam efetivamente, mas poderiam fazê-lo, de um momento para o outro. O temor é a ordem e o terror, sua consequência viável. A nação, porém, que por motivos também políticos é financiada por outros países, interessados em sua posição estratégica, vive dias de prosperidade institucional, em que nada falta aos habitantes, senão a liberdade. Nesses dias, o Estado financia pesquisas, cria centros de excelência, destacando-se na medicina, nas artes, na educação e na música. Os esportes são valorizados, os cidadãos, aparentemente, são felizes. O trânsito no pequeno país revela-se agradável, de excepcional beleza, abastecido por sons, cheiros e pela inteligência contagiante dos seus nativos. Os habitantes, por outro lado, são impedidos, mesmo, de exercer o livre arbítrio: não podem viajar, expressar suas opiniões e nem dispor, como de sua vontade, de qualquer iniciativa que não tenha sido aprovada, antecipadamente, pelo poder constituído!

Toda obra que ali se criou durante esse tempo, por magnífica que possamos constatar, foi determinada pelo Governo. Todo sucesso esportístico, igualmente. A ciência avantajada, foi movida pela pressão governamental, bélica, especialmente. O conhecimento... Ah! Esse deveria seguir um rígido código derivado de uma filosofia estranha ao restante do mundo! Por inimaginável quanto pareça, não há espaço, nessa cultura particular, para o desenvolvimento de sabedoria alheia ao modelo de uma única vertente filosófica! Não há entendimento para um deus, nesse pensamento! Divindades são proibidas por decreto! O homem, ali, é resultado do esforço com que se devota à "causa". A ética é nada mais que a coleção de regras ditadas pelo poder temporal supremo.

Aqui está o dilema: vejo beleza onde os protagonistas vêem obrigação. Vejo uma cultura rica, diferenciada, moldada em parte pelo rigor do sistema, que transborda, porém, da virtuosidade de um povo que pratica uma catarse constante. Vejo as disposições para o aprofundamento místico, emperrado por uma política que não o admite. Vejo educação, conhecimento e o desejo de superar o passado de que, agora, até mesmo os tiranos, começam a mostrar arrependimento.

Meu país desse sonho não é apenas uma obra de arte, mas é refém, principalmente, de quem vê na beleza a sua fortaleza e a quer só para si. Esse país é rico em potencial humano, mas carece de uma ética institucional que a organize para o bem comum e não professa uma política que contempla o bem comum. Embora contratualista, rege seus tutelados com mãos de ferro.

Se Deus vive, ali, na imagem de cada um dos seres que anseiam por dias melhores, é preciso esperar, pacientemente, pela morte dos que se arvoram donos do conhecimento, embora o conhecimento, os homens já sabem, seja bem mais amplo que aquele que aprenderam a respeitar, por subsistência.

Não é preciso que viajemos para muito na História para observar isso: pode não haver um deus, nem a explicação sobre a origem de tudo. Pode existir e não existir beleza. A ética, talvez seja relativa, ainda que produza o bom e o belo às custas das dignidades. A política, totalitária ou não, sempre se subjugará ao conhecimento. O saber, seja por verdade ou por justificação, por verificação ou por plausibilidade, acaba demonstrando-se eficiente nos tempos em que dele se necessita. Ainda que seja preciso ver a decadência de um velho tirano e da sua tardia constatação de que nada soube.

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