Talvez seja por esquisitice e também por extravagância que me ponho a tagarelar sobre isso. Não há por que um misantropo ser falastrão. Há? Quem sabe para encontrar quem o compreenda? É uma boa justificativa! Pensaria alguém que sinto prazer em ser como sou? Que a reserva que me imponho traz um tipo diferente de felicidade e que, por isso, deve ser respeitada? Ridículo!
Comparo-me a um pescador, que sabe da existência de um peixe raro no mar e que não descobriu, ainda, a isca apropriada para resgatá-lo. Péssima comparação, acrescento, pois não pretendo "consumir" os meus alvos, não quero prendê-los num aquário, quero sequer que eles gostem de mim, mas que dialoguem comigo! Que materializem seus pensamentos sem hipocrisia, ainda que julguem, por fraqueza da alma como a sociedade a molda, que isso iria me ferir.
O que maltrata não é a franqueza. O constrangimento vem do silêncio, do potencial de construção de verdades alternativas, o potencial desaproveitado. O rancor antecipado pelo julgamento que fazemos todos nós, misantropos, da impotência do espírito humano. A raiva, às vezes, até, de sermos inflexíveis, se existe a escolha de aparentar "normalidade".
Ponho, então, essa rede no mar. Lanço minhas garrafas desta ilha. Subo a colina e despejo os envelopes para que a brisa os leve.
Canção do vento e da minha vida
Manuel Bandeira
(de Estrela da Manhã, em Antologia Poética, org. Emmanuel de Moraes, José Olympio Editora, Rio, 1986)
O vento varria as folhas,
o vento varria os frutos,
o vento varria as flores...
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
o vento varria as músicas,
o vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
e varria as amizades...
o vento varria as mulheres.
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
e varria os teus sorrisos...
o vento varria tudo!
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de tudo.
o vento varria os frutos,
o vento varria as flores...
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
o vento varria as músicas,
o vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
e varria as amizades...
o vento varria as mulheres.
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
e varria os teus sorrisos...
o vento varria tudo!
E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de tudo.
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