segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Historinha sobre a soberba

Foi ontem, quando, desacelerando o passo, eu chegava à fila para o embarque. A mulher, em acinte, tentou enfiar-se à minha frente. Como não sou muito pacífico sobre o furto dos meus direitos, neguei-lhe passagem. Sacou o telefone. Em essência, foi assim, num tom suficiente para a audiência toda tomar conhecimento:

-- Mãe? Kisses! Viajando. Estou possessa! Vou processar uma empresa daqui, é só eu chegar ao meu gabinete no tribunal. Avise ao seu Antônio para ir me pegar com a Pajero, porque outro carro não caberá minha bagagem. Está tudo pronto para a viagem a Paris, na semana que vem? Ótimo! Preciso só deixar tudo pronto no tribunal.

Ora, então a mulher é uma desembargadora, no mínimo. Uma funcionária pública, assim como o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB/PE), que, à distância, conversava sorridente com alguém ao seu lado, num banco. Mais adiante, um político de Brasília, concentrado, brincava com o telefone celular, alheio à balbúrdia de Cumbica.

Chego, então, ao que entendo, tal como o Aurélio, sobre a soberba:

soberba(ê). [F. subst. do adj. soberbo.]
Substantivo feminino.

1.
Elevação ou altura de uma coisa em relação a outra.
2.
Orgulho excessivo; altivez, arrogância, presunção, sobrançaria, sobranceria.
Existe uma diferença fundamental entre a consciência que um burocrata técnico tem sobre si mesmo e a de outro burocrata, o político moderno.

Os políticos, em geral, rastreiam o ambiente com ares de naturalidade, tendando mostrar aos outros que é alguém como eles. É coisa atual, quando os tempos não lhes são favoráveis, por causa de tantas vergonhas expostas na mídia. Com essa atitude, "dizem" ao eleitor: "Vê? Eu sou como você! Goste de mim"!

O burocrata de carreira, aquele que, sem mandato, faz parte da estrutura do Estado, mas dela participa com status elevado, tecnicamente, não precisa dar satisfação a ninguém, exceto pelo que determina a lei 8.112 de 1990, mais alguns estatutos regulatórios, conforme a situação. Os magistrados são desses que ocupam um dos "topos": desembargadores, juízes, ministros de tribunais etc. São, também, peças de uma estrutura pública carcomida pela eterna impressão de que os ocupantes de cargos públicos -- que do público dependem para seu sustento -- fazem "favores" ao povo. Numa comparação simples, são os burocratas de hoje os "nobres" das histórias que ouvimos sobre a hierarquia medieval.

Tanto os políticos, que recebem do povo a autoridade efêmera para representá-los, quanto os servidores públicos, concursados ou não, ambos com seus méritos e, em muitos casos, deméritos, existem para a finalidade estrita de propor, executar e defender mecanismos para a garantia e a manutenção do bem estar público. Atitudes como a da barnabé, de ontem, fazem-me pensar, com angústia, sobre o porquê de algumas pessoas entenderem isso -- eu, por exemplo, também estou a serviço do povo -- e outras, não. A discussão é sobre austeridade, discrição e devoção para a missão. Coisa que me faz lembrar o filme "A Vida é Bela", na emblemática passagem em que Guido tenta conseguir autorização para abrir uma livraria e é tratado como um animal pelo barnabezinho de plantão.

Enquanto isso, o senador, abordado por um solícito funcionário da Tam, levantou-se do conforto do seu banco e, tranquila, pacífica e indiferentemente avançou sobre a fila formada, para seu embarque privilegiado.

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