(*) De 9/9/2008. Antes que perguntem, é ficção. A realidade é muito pior.
Não bastaram os dois dedos de prosa. O velho queria mais! Sozinho ali, esquecido pelo mundo, isso é coisa de se permitir às gentes? Eu me vi obrigada a praticar as virtudes que, dizem, todo ser humano tem. Planejei levá-lo para meu apartamento solitário, providenciar um banho enquanto punha a mesa com fartura. Depois de um jantar lauto -- que jamais me faltara, graças a Deus! --, haveríamos de comprar roupas, cortar, juntos, os cabelos, enquanto esticávamos as histórias. Peguei-o, então, pela mão e o puxei, como se o arrastasse novamente para a vida. Num misto de assombro e impotência, ele resistiu no início. Parecia impossível sentir, outra vez, o toque, a bondade prática -- se é que havia em sua lembrança o calor dos gestos alheios. Fiquei um pouco nervosa com a proximidade das roupas imundas, dos odores daquele corpo, do hálito ébrio. E os olhares da platéia, meu Deus! Ando tão acostumada a passar despercebida! (Não é interessante como se tropeça na rua e ninguém a vê e, num tombo eventual, como salta por cima de você a turba incomodada?) Movi uns passos na direção do carro e senti, subitamente, os medos da razão. Daquela razão descontrolada, eu quero dizer, que surge lépida e atropela as intenções para dar-lhe uma segunda opinião, uma segunda chance, a respeito das coisas que parecem claras. Estanquei junto ao meio-fio segurando, ainda, o corpo do homem, que agora sorria. Encostada no Jaguar, parei um táxi.
-- Por favor, senhor, leve-o para um albergue!
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